O mundo da burocracia - acumulado que está de "pequenas engrenagens, homenzinhos aferrados a seus mesquinhos postos e dedicados a disputar os melhores postos" - tende a transformar todos em homens que necessitam de "ordem" , que estremecem e se acovardam se por um momento esta "ordem" se transforma , que se sentem desamparados se são "privados de uma incorporação total a ela". Trata-se de um mundo que convida o tempo todo à integração em estruturas reducionistas , racionalizadoras e absorventes , cujos princípios de funcionamento , regras e ambientação - marcados pela hierarquia, pelo cálculo, pela rotina- não são propriamente favoráveis à mudança , embora sejam , como se sabe , extremamente favoráveis à reprodução extensiva da própria burocracia enquanto tal, insaciável em seu apetite "racionalizador".
[...] seja por sua própria natureza de corpo fechado, frio e impessoal, voltado inteiramente para sua autorreprodução , seja pelo peso que adquiriu no Estado e na sociedade moderna , a burocracia tende a ser um imponente polo de resistência à mudança , ou , no mínimo , um fator a ser contornado nos processos de mudança. [...] Justamente por estar cravada no coração mesmo do Estado , acumular um não desprezível poder e deter o controle de boa parte do processo normativo da sociedade , a burocracia é um protagonista estratégico de qualquer projeto de execução de uma mudança centralmente planejada ou induzida .
-Nogueira, Marco Aurélio. As possibilidades da política. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1998.p.260.