Influenciado pela religiosidade missionária e militante jesuíta , D.
Sebastião assumiu o trono português em 1568, com 14 anos de idade. Sua
obsessão era combater os muçulmanos no Norte da África. Para tal
cruzada não poupou esforços nem deu atenção aos que desaconselhavam a
empreitada. Sua derrota e desaparecimento na batalha de
Alcácer-Quibir em 1578 alimentou ainda mais a mística em torno de sua
pessoa. Como nenhum sobrevivente reconheceu ter visto o rei ser morto
- se o fizesse seria imediatamente acusado de não tentar salvar a vida
de seu monarca -, disseminou-se a crença de que D. Sebastião
permanecia vivo. Estaria nas muitas versões que circulavam oralmente
em Portugal e seus domínios ultramarinos , presos pelos muçulmanos ou
por espanhóis , ou ainda , numa representação mais curiosa , escondido
por Deus, em companhia do lendário rei Artur na ilha mágica de Avalon
, de onde retornaria para restabelecer a ordem e dirigir Portugal rumo
ao seu destino glorioso. O rei desejado passava a rei encoberto. Na
verdade , a crença no rei encoberto vinculava-se a outras crenças
difundidas em Portugal havia muito tempo. Entre 1530 e 1540 foram
compostas algumas trovas por um sapateiro conhecido por Bandarra.
Cristão-novo da localidade de Trancoso , ele profetizava a vinda de um
rei encoberto , uma espécie de messias , que estabelecia a justiça e
inauguraria uma época de felicidades nunca vivida. Um verdadeiro reino
de Deus na Terra , à semelhança do que fora anunciado pelos profetas
bíblicos (principalmente Daniel) : a sucessão de cinco impérios por
toda a história da humanidade. Os quatro primeiros impérios
caracterizavam-se pelas perseguições aos seguidores de Deus. O quinto
império seria a recompensa dos justos e a punição dos pecadores. Por
mil anos, os crentes gozariam na Terra as delícias de Deus. Em razão
disso, costuma-se identificar a crença nesse reino de mil anos com a
denominação de milenarismo. A grande circulação das Trovas por todo o
reino levou a Inquisição a proibir Bandarra de tratar de temas
bíblicos e a condenar seus escritos por Judaísmo. Para o Tribunal do
Santo Ofício , o sapateiro estava " mais para ser ovelheiro que para
falar palavra alguma de razão natural", enquanto , para seus ouvintes
- cristãos-novos , judeus e gente do povo - , era um "grandíssimo
teólogo" e verdadeiro profeta. Tal proibição não inibiu as constantes
indagações sobre o "encoberto" e sobre o quinto império. O rei
encoberto poderia ser o Messias da tradição judaica , um novo Messias
ou o próprio Cristo , para os cristãos , ou D. Sebastião, que não
teria morrido e retornaria para trazer a glória aos lusitanos e
comandar o quinto império. Além dos setores populares , o
sebastianismo também foi acolhido por representantes da nobreza e de
letrados em Portugal. O neto do vice-rei da Índia, D. João de Castro ,
escreveu em 1603 a Paráfrase e Concordância de Algumas Profecias de
Bandarra , sapateiro de Trancoso. Procurava demonstrar , a partir da
Trovas , que D. Sebastião não estava morto e que os cristãos
portugueses deveriam aguardá-lo brevemente para livrá-los do julgo
espanhol. À medida que as dificuldades de Portugal aumentavam ,
sobretudo a partir de 1620, o sebastianismo proliferava , tornando-se
, ao longo dos anos , expressão dos sentimentos anticastelhanos e de
descontentamentos sociais. Em 1624, o cristão-novo Manuel Bocarro
Francês , ilustre matemático e astrólogo , tornava-se o primeiro
sebastianista a vincular as profecias do Bandarra à Casa de Bragança ,
anunciando em uma de suas obras poéticas que o rei encoberto seria D.
Teodósio. A Restauração de 1640 não diminuiu os ânimos
sebastianistas. Conduzida ao trono português , a Casa de Bragança foi
envolvida pela mística messiânica . D. João IV anunciado para os
portugueses como o rei encoberto e o Bandarra , considerado o profeto
da Restauração, tendo uma imagem sua colocada na Sé de Lisboa, como se
fosse um santo. O rei encoberto anunciado pelo sapateiro não seria
mais D. Sebastião, e sim o duque de Bragança. Nem mesmo a morte de D.
João IV pôs fim à crença messiânica. Vários outros monarcas e
príncipes portugueses foram investidos do papel de rei encoberto. No
começo do século XIX , com as tropas francesas de Napoleão Bonaparte
controlando o território português, panfletos animavam o povo
anunciando a vinda de D. Sebastião para realizar a libertação de
Portugal. Inúmeras manifestações sebastianistas podem ser
identificadas na história e na literatura luso-brasileiras. Tal
permanência levou o historiador português João Lúcio de Azevedo a
cunhar uma excelente definição do sebastianismo: "Nascido da dor,
nutrindo-se na esperança, ele é na história o que é na poesia a
saudade , uma feição inseparável da alma portuguesa".