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Uma Nação De Profetas


"A maior parte dos ingleses de ambos os sexos ainda vivia , no século XVII, em um mundo mágico , no qual Deus e o demônio intervinham diariamente - um mundo de feiticeiras , fadas e encantamentos. Se fracassassem estes , ainda havia o toque pelas mãos do rei , eficaz na cura dos escrófulas. Arise Evans, nascido em 1607 , em Merionethshire , contava que os ladrões de seu tempo costumavam consultar astrólogos ou "advinhos" para saber se seriam ou não enforcados. A maior parte das aldeias tinha o seu 'curandeiro' , sua feiticeira especializada em magia branca : era mais barato recorrer a esses do que a um médico ou advogado. E . Se pensarmos um pouco em que mundo eles viviam , será fácil entender por que se considerava tão óbvio que houvesse interferências de ordem milagrosa na vida cotidiana . Nós acreditamos que o universo se rege por determinadas leis simplesmente porque hoje são mais raros do que no século XVII os 'os atos de Deus' . A generalização do sistema  de seguros , incluindo a previdência social , o aperfeiçoamento dos serviços médicos e em especial a prática da anestesia , o sim da peste , a construção de casas de alvenaria , menos sujeitas a incêndios , a alimentação do gado no inverno com forragens de entressafra , fazendo com que a primavera deixasse de ser uma estação em que se morria de fome - tudo isso transformou profundamente a rotina da vida. Porém no tempo de que tratamos a insegurança já tradicional na vida medieval , como a que afetou a indústria têxtil na década de 1620 , faziam intensificar-se a competição econômica ; as novas atitudes - expressas nos ditados 'de um home pode fazer o que quiser com o que tem' e 'cada um por si e Deus por todos' - destruíram o sistema de segurança social que funcionava na aldeia medieval. [...] A Reforma , a despeito de sua hostilidade à magia , estimulara o espírito de profecia. A abolição dos intermediários entre o homem e a divindade. Bem como a ênfase na consciência individual, deixavam Deus falar diretamente a seus eleitos. Era obrigação destes tonar conhecida a Sua Mensagem. E Deus não fazia acepção de pessoas : preferia falar a John Knox do que à sua rainha Maria Stuart da Escócia. [...] na Inglaterra , as décadas revolucionárias deram ampla difusão ao que praticamente constituía uma profissão nova - a do profeta , quer na qualidade de intérprete os astros , ou de mitos populares tradicionais , ou , ainda , da Bíblia . Por isso tem muita importância conseguirmos captar qual o papel das profecias na psicologia popular. [...] foi com um espírito científico que os intelectuais abordaram a profecia bíblica .  Isso foi feito por matemáticos e cronologistas , tais como Napier , Brigthman , Mede , Ussher e Newton. Esses homens acreditavam na possibilidade de se constituir uma ciência de profecia , assim como Hobbes acreditava na possibilidade de se fundar uma ciência da política. Ambas as esperanças se provaram irrealizáveis: mas nenhuma delas merece o nosso desprezo. Em meados do século XVII parecia haver-se alcançado um consenso , segundo o qual  acontecimentos notáveis se produziram na metade da década de 1650 a queda do Anticristo , e talvez a volta de Cristo e o advento do Milênio. Essa convicção sustentava a energia , a confiança e o utópico entusiasmo dos pregadores puritanos em começos da década de 1940. Com um otimismo ingênuo (como eles mesmos mais tarde reconheceram), apelaram então ao povo comum da Inglaterra para que travasse as batalhas do Senhor contra o Anticristo."

HILL, Christopher . O mundo de ponta-cabeça . São Paulo. Companhia das Letras , 1987. P. 99-105.


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